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segunda-feira, 15 de março de 2010

O Estranho



Pedras frias cobriam a abandonada cidade noturna, com suas luzes falhas e insistentes que recebiam o auxílio de uma amiga natural de todas as noites de utilidade. Nos momentos em que as nuvens retiravam a pouca luz, o esforço dobrava, o passo aumentava.
Estava ficando tarde....
Ele perambulava pelas ruas desertas de uma cidade vencida pela inconsciência. Na calada da noite percorria com os olhos cada canto escuro, vasculhando algo, ou alguém, quem pode saber?
Cada passo com seus sonoros resmungos marcavam pegadas sobre fatos. Pequenas gotas escorriam, pequenas marcas eram deixadas para trás, como um passado. Um passado que ele queria deixar.
Em seus olhos, um mistério a ser desvendado. Sombras o encobriam com espreitas aos seus motivos. Sombras na calada da noite?
Não, ele não tinha sombra.
A falta de iluminação poderia ser apenas uma desculpa de sua própria sombra.
E ele andava. Percorria as largas ruas de pedra, percorria em sua busca insistente.
A cada passo, as luzes piscavam e, ao caminho indefinido, janelas se fechavam, cortinas espiavam e olhares se alarmavam.
Ele estava passando.
“Ele quem?”, pergunta a voz.
“O estranho”, responde a outra voz.
“Sabe o que ele quer?”, pergunta a voz temerosa.
“Ninguém sabe o que não se pode saber”, respondeu a outra, “É apenas ele, feche a porta, mude o disco”.
Os passos pareceram aumentar. Teria o estranho encontrado o que procurava?
Não, não encontrou.
“Mas olhe!”, alertou uma das vozes, “Ele parou!”
A cidade suspirou em silêncio. A imagem obscura parou no meio da rua e, após olhar rapidamente para a lua, olhou envolta. Durante poucos segundos, agora passados, tudo e nada se passou além do vento. Ele continuou a andar.
Mais alguns passos, e a voz gritou.
“Pare, não faça isso!”, ela implorou.
“Eu devo, eu acho”, respondeu confusa a outra voz.
“Eu imploro, não o faça! Não é preciso, saberei viver só!”
“Sua existência atrapalha”, disse impiedosa outra voz.
Uma placa podia ser vista ao longe, pouco iluminada por uma luz que insistia em viver. Seu revestimento de madeira de carvalho parecia velha e gasta pela idade. Teria ela histórias a contar?
Mais alguns passos. Novamente, ele parou. Não agora no centro da rua.
Agora, ele estava frente à placa.
Uma pequena escada lascada levava a uma porta.
“Que será que farei?”
“Que será que faremos com ele?”, pensou a voz antes desesperada.
“Não fará nada!”
“Não pode fazer isso”, reclamou teimosa.
“Não pode me impedir, estranho”.
“Vai matá-lo”, acusou a voz rebelde, “Assim como fez antes”.
“Não me acuse”, disse indignado, “Não fiz aquilo, você o fez! Maldita seja sua face!”
“Funesto aviltado que corre pelas noites atrás da direção da morte, como podes renegar a tua face?”
“Renego tua face assim como renegas tua origem.”.
Latas caíram e rolaram rua abaixo.
“Espiões?”, perguntou.
“O que acha funesto?”, respondeu-lhe com outra pergunta, “Tens medo da morte?”
“Pelo que fizeste, tenho medo do após”.
Um pequeno gato preto se espreguiçou nas pedras gélidas e, após observar rapidamente o estranho, correu rua abaixo gritando por ajuda à calada da noite.
“Até os gatos o temem, funesto”.
“Aparta-te torpe criatura!”, gritou irritado.
O estranho virou-se e subiu os pequenos degraus. Cada passo gritando silêncio ressentido de um passado abandonado. Ele parou frente à porta onde se encontrava uma pequena placa de metal. A observou com tento, procurando por respostas, mas encontrou apenas a face que havia renegado gritando-lhe infâmias.
Dois toques e um suspiro. As mãos correram ao bolso procurando por jeito enquanto a espera o deixava temeroso.
“Daria certo?” perguntou-se.
“Vá embora”, gritou rebelde.
“Cala-te! Não lhe dirigi palavra criatura!”
Os sussurros negros calaram-se e a iluminação fraca de velas chocou-se contra olhos acostumados a escuridão das noites. Os olhos do velho ancião percorreram-lhe temerosos e interrogativos da cabeça aos pés, até então, voltarem receosos aos olhos gastos.
“Que queres peregrino?”, perguntou o ancião.
“Não me reconheces?”, perguntou o estranho, trazendo sua voz, desconhecida pelas frias pedras da rua, ao ouvinte.
“Não importa”, começou o velho “Nada tenho que possas querer além de vida”.
“Não estou atrás de vida, velho”, respondeu-lhe, “Quero as respostas que tens”.
Um passo recuado do velho ancião, um passo para frente do estranho. Uma porta se fecha atrás de uma longa capa preta e um chapéu, deixando as gélidas ruas para o domínio de uma má iluminada noite de inverno.
“Assenta-te peregrino”, apontou o velho para a cadeira velha de madeira.
“Aquieta teu coração velho, e coloca-te a dizer o que tens em mente. Sei o que passa.”, disse o estranho sem receios.
O velho se sentou frente à face estranha e conhecida de tempos do passado.
“Que queres homem? Que posso eu oferecer-te além do que já tens ou do que já o entreguei? O que o perturba?”
“A volta do mesmo incômodo”, respondeu o estranho.
“Desculpe-me filho” disse o velho olhando para baixo “Mas seu tempo na prisão foi bem lhe dado. Sinto lhe informar, mas não conseguirás se livrar de tua maldição psicológica. Estás contra ti mesmo”.
“Nada mais a ser dito do que palavras e vento, velho?”, perguntou o estranho levantando-se.
“Não, o passado e o presente, acabam aqui. O futuro deixo para o amanhecer.”
Nada mais que uma volta e um punho. Mais uma vez, gotas de sangue lhe escorreram pelas mãos até pingar nos pés e deixar rastros. Ali ele havia passado e, mais uma vez, nada conseguira além do que já estava escrito.
O estranho abriu a porta, agora deixando uma alma fria sobre madeira velha, abrindo-se para receber o frio da noite. Não lhe pertencia à presença dos homens, apenas da fraca luz da lua e as gélidas pedras.
“Eu disse que farias novamente”, acusou-lhe a rebelde.
“Cala-te! Não mais direi!”
“Que farás morimbundo?”
“Tirar-lhe-ei o resto de um suspiro”.
“Isso já tem nome, sabia estranho?”
“Sim”, respondeu a voz de comando “Chama-se suicídio, inútil!”
E assim, ele deixou mais ruas gélidas, para percorrer um novo caminho e um novo destino.
Suicídio?
Apenas se não lhe oferecerem cura ou silêncio.

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